Continuar voluntário, 500 anos depois

Com mais de 500 anos de existência, fará sentido manter o espírito de voluntário e irmão que tem caracterizado as Santas Casas da Misericórdia?


Vivemos freneticamente cada minuto numa intensidade de ritmos e velocidades como se nos obrigássemos a experimentar, sentir e conhecer tudo. Neste ritmo alucinante, de aparente felicidade, vivencia-se tão velozmente que o sabor da vida como que se esfumaça num percurso sem sentido. São outras vidas numa aldeia global que nos chegam cada dia a casa inopinadamente e sem pedir licença, seja através dos meios de comunicação social tradicionais ou das redes sociais.


Efetivamente, num mundo globalizado influenciado por uma comunicação social muitas vezes tendenciosa, por uma política mundial de contra informação e por redes sociais intrusivas e agressivas, resta-nos por vezes pouca lucidez para compreender que a felicidade se baseia mais no ser do que no ter.


Para quem procura ser, o voluntariado é uma das portas que se pode abrir para novos mundos, novas experiências e novos horizontes que nos completam e enriquecem.


A busca de sentido para a vida pelo tempo que se nos oferece ter, pode dirigir-se por diversos caminhos. Um dos caminhos eleitos foi ser voluntária na Santa Casa da Misericórdia de Fátima-Ourém, pela simples razão de que escolhi Cristo como guia.


Ser voluntário na Santa Casa não é ser-se amador da caridadezinha. A caridadezinha é segregadora, não vê no outro um irmão, um semelhante, não vê Cristo. Ao invés, a plena caridade é o maior dos bens porque se presta ao serviço do Outro pelo amor, sem esperar recompensa alguma, apenas por amor a Deus e ao próximo. Acredito que valores milenares mantêm uma atualidade inquietante que nos interpela e desassossega a cada dia. Nesta inquietação, entranha-se-nos um espírito de missão que nos impele a sermos atores sociais em vez de meros espetadores. De que vale a fé se não for acompanhada de obras?


Creio, pois, que o espírito de solidariedade e caridade em Cristo é tão atual e revolucionário como foi há dois mil anos ou há 500 anos quando surgiu a primeira Santa Casa da Misericórdia. Este espírito espera de nós uma entrega voluntária, abnegada e caritativa. Porém, impõe-nos também uma atenção constante à evolução dos tempos e da sociedade e neste sentido ser voluntário e irmão também é estar disponível para aprender e crescer nos dons da sabedoria, da humildade e da solidariedade e munirmo-nos das competências técnicas, do rigor e do conhecimento para continuarmos a obra elevada da caridade e da misericórdia que se engrandece no espírito do voluntário.


Profundamente grata à vida!


Fernanda Rosa